Eu sei que a mãe está doente. Às vezes, grita e dá murros no teclado, fala sozinha na varanda. Eu sei que faz isso por ter sofrido muito em Leninegrado. Ela disse-me que comia gelo e sementes que apanhava no pátio. Disse-me que perdeu o pai e a mãe naquele inverno.
O meu pai fugiu para França, levou a G3, mas envia-nos dinheiro todos os meses. A mãe deixou de dar aulas de piano e não faz de comer. Levanta-se depois do meio-dia e eu nunca ouço a porta do quarto a abrir. Fecha-se na casa de banho e aparece tal e qual como no dia anterior, vestida com madeixas louras e sem o meu sorriso. A mãe tem as coxas e os braços cheios de negras. Não dizemos bom-dia nem ela diz o meu nome. Senta-se de cócoras diante da janela grande da sala e fuma o primeiro cigarro da manhã. Fica sentada a olhar os campos e os choupos e eu olho-a atrás das duas portas vidradas. Se ela começa a chorar ou a tossir pelo fumo que lhe esconde o rosto, começo a correr pela alcatifa e peço-lhe:
– Mãe, vamos comprar pão.
Ela levanta-se, abre a bolsa para contar o dinheiro e vamos de mãos dadas até à pastelaria, atravessando jardins floridos de cardeais e amores-perfeitos.
ISBN: | 978-989-766-156-3 |
Editor: | Coolbooks |
Data de Lançamento: | maio de 2018 |
Idioma: | Português |
Dimensões: | 150 x 235 x 16 mm |
Encadernação: | Capa mole |
Páginas: | 214 |
Tipo de produto: | Livro |
Classificação temática: | Livros em Português > Literatura > Romance |
EAN: | 978989766156311 |